Do enigmático ‘vírus’ da raiva ao distúrbio de ‘pensar demais’, existem alguns transtornos mentais que só se ‘contraem’ em determinadas culturas. Por quê? E o que eles podem nos ensinar? Do enigmático ‘vírus’ da raiva ao distúrbio de ‘pensar demais’, existem alguns transtornos mentais que só se ‘contraem’ em determinadas culturas.
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“NÃO TENHA MEDO DO KORO”, dizia a manchete do jornal Straits Times em 7 de novembro de 1967. Nos dias anteriores, um fenômeno peculiar havia se espalhado por Singapura. Milhares de homens haviam se convencido espontaneamente de que seus pênis estavam encolhendo — e que isso acabaria matando-os.
A histeria em massa tomou conta rapidamente. Os homens tentavam desesperadamente segurar seus órgãos genitais, usando tudo o que tinham à mão: elásticos, prendedores de roupa, barbante. Médicos locais inescrupulosos lucraram, recomendando várias injeções e remédios tradicionais.
Corria o boato de que a súbita retração do pênis era causada por algo que os homens haviam comido. Os moradores locais desconfiavam da carne suína, especificamente de porcos que haviam sido vacinados como parte de um programa que o governo havia imposto às fazendas de Singapura. As vendas de carne suína despencaram rapidamente.
Embora as autoridades de saúde pública tenham se esforçado para conter o surto de histeria, explicando que aquilo era causado apenas pelo “medo psicológico”, não funcionou. No fim das contas, mais de 500 pessoas procuraram tratamento em hospitais públicos.
Na verdade, o medo de perder o pênis é mais comum do que se imagina. Ele aparece com bastante regularidade em determinadas culturas ao redor do mundo.
No Sudeste Asiático e na China, é comum o suficiente para ter até um nome: “koro”, que remete possivelmente — e de forma bastante visual — à palavra javanesa para tartaruga, referindo-se à sua aparência quando retrai a cabeça para dentro do casco.
O koro tem uma história que remonta a milhares de anos, mas o surto mais recente ocorreu em 2015, no leste da Índia. No total, 57 pessoas foram afetadas, incluindo oito mulheres, para quem a síndrome tende a se manifestar como um medo de que seus mamilos estejam se retraindo para dentro do corpo.
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O koro é considerado uma síndrome ligada à cultura — um transtorno mental que só existe em certas sociedades. Durante décadas, distúrbios “intraduzíveis” como este foram estudados como meras curiosidades científicas, que existiam em partes do mundo onde as pessoas aparentemente não tinham conhecimento.
Os transtornos mentais ocidentais, por outro lado, eram vistos como universais — e você poderia garantir que todo problema “genuíno” seria encontrado nas páginas sagradas da bíblia psiquiátrica americana, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (mais comumente conhecido como DSM, na sigla em inglês). Mas hoje os cientistas estão percebendo cada vez mais que este não é o caso.
Na região do planalto central do Haiti, as pessoas adoecem regularmente com reflechi twòp (“pensar demais”, literalmente), que envolve ruminar sobre seus problemas até que você mal consiga sair de casa.
Na Coreia do Sul, por sua vez, existe o hwa-byung (“vírus da raiva”, em tradução livre) —, que é causado ao reprimir sentimentos sobre algo que você considera injusto, até que você sucumba a alguns sintomas físicos alarmantes, como uma sensação de queimação no corpo.
Lidar com membros da família irritantes é um grande fator de risco — é comum durante divórcios e conflitos com parentes.
Embora, para os não iniciados, esses transtornos mentais possam parecer excêntricos ou até mesmo inventados, na verdade, eles são problemas sérios e legítimos de saúde mental que atingem um grande número de pessoas.
Estima-se que o hwa-byung afete cerca de 10 mil pessoas na Coreia do Sul todos os anos — em sua maioria, mulheres casadas mais velhas —, e uma pesquisa mostrou que ele deixa uma marca mensurável no cérebro.
Em 2009, exames de imagem revelaram que quem sofre deste distúrbio apresentava menor atividade em uma área do cérebro conhecida por estar envolvida em tarefas relacionadas à emoção e controle de impulsos. Isso faz sentido, já que o hwa-byung é um transtorno de raiva.
As consequências das síndromes vinculadas à cultura podem ser devastadoras. Os ataques de koro podem ser tão convincentes que os homens causam graves danos aos seus órgãos genitais, na tentativa de impedi-los de retrair.
As pessoas que sofrem de reflechi twòp têm oito vezes mais chance de ter pensamentos suicidas, enquanto o hwa-byung tem sido associado a sofrimento emocional, isolamento social, desmoralização e depressão, dor física, baixa autoestima e infelicidade.
Curiosamente, algumas doenças intraduzíveis desapareceram recentemente, enquanto outras estão se espalhando para novas partes do mundo.
Mas, afinal, de onde vêm essas doenças, e o que determina onde elas são encontradas? A busca por respostas tem fascinado antropólogos e psiquiatras há décadas — e agora suas descobertas estão norteando nossa compreensão da própria origem dos transtornos mentais.
Exportação do Ocidente
O prêmio de doença vinculada à cultura com a história mais surpreendente vai, sem dúvida, para a “neurastenia” (também conhecida como shenjing shuairuo). Embora ocorra principalmente na China e no Sudeste Asiático atualmente, trata-se, na verdade, de um transtorno colonial do século 19.
A neurastenia foi popularizada pelo neurologista americano George Miller Beard, que a descreveu como uma “exaustão do sistema nervoso”. Na época, a Revolução Industrial estava gerando uma grande reviravolta na vida cotidiana, e ele acreditava que a neurastenia — uma síndrome caracterizada por dor de cabeça, fadiga e ansiedade, entre outras coisas — era resultado disso.
Às vezes, as doenças relacionadas à cultura ocorrem apenas em uma determinada classe social ou época.
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“Quando romancistas famosos como Marcel Proust foram diagnosticados, o transtorno se tornou bastante popular”, diz Kevin Aho, filósofo da Universidade da Costa do Golfo da Flórida, nos EUA, que estudou a história do transtorno.
“Era praticamente uma tendência, e indicava sensibilidade, criatividade intelectual — era uma espécie de indicador da sofisticação de alguém.”
Por fim, a neurastenia se espalhou para as colônias europeias ao redor do mundo, onde foi “contraída” com entusiasmo por oficiais bigodudos e suas esposas, como uma forma de adicionar um rótulo ao sentimento de saudade de casa.
De acordo com uma pesquisa realizada em 1913, a neurastenia foi o diagnóstico mais prevalente entre os colonizadores brancos na Índia, Sri Lanka (então Ceilão), China e Japão.
Com o passar dos anos, a neurastenia perdeu gradualmente seu apelo no Ocidente, à medida que foi associada a problemas psiquiátricos mais graves. Agora foi completamente esquecida.
Em outros lugares, porém, aconteceu o contrário: foi usada como um diagnóstico que não trazia o estigma do transtorno mental — e continua em uso até hoje.
Em algumas partes da Ásia, é mais provável que as pessoas digam que têm neurastenia do que depressão. Um estudo de 2018 realizado com uma amostra aleatória de adultos de Guangzhou, na China, mostrou que 15,4% se identificaram como tendo neurastenia, contra 5,3% que disseram ter depressão.
Mas a neurastenia também está desaparecendo da Ásia agora.
“Quando entrevistei pacientes pela primeira vez em um hospital psiquiátrico em Ho Chi Minh, no Vietnã, em 2008, quase todos disseram que tinham neurastenia”, conta Allen Tran, antropólogo psicólogo da Universidade Bucknell, na Pensilvânia, nos EUA.
“Então, quando fiz uma pesquisa de acompanhamento dez anos depois, acho que apenas uma pessoa da minha amostra disse que a tinha (neurastenia).”
O que está acontecendo?
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Normas culturais
Há dois cenários possíveis acontecendo aqui. Em primeiro lugar, existe a ideia de que toda a humanidade é suscetível à mesma variedade limitada de transtornos mentais — todos nós nos sentimos ansiosos e deprimidos, por exemplo, mas a maneira como falamos sobre essas coisas varia dependendo de quando e onde você vive.
O fato de que as doenças vinculadas à cultura podem ser adquiridas e desaparecer dentro de uma única comunidade, e com tanta rapidez, é uma pista importante.
Isso sugere que elas não são impulsionadas, por exemplo, por fatores genéticos, uma vez que este tipo de mudança geralmente leva centenas ou milhares de anos, em vez de dezenas.
Em vez disso, a rápida extinção da neurastenia no Vietnã pode ser atribuída à crescente popularidade do conceito de ansiedade, que foi importado do exterior.
É possível que a incidência real de transtornos mentais tenha sido a mesma durante todo esse tempo, mas, conceitualmente, uma foi substituída pela outra, explica Tran.
Nesse sentido, o autor e historiador médico Edward Shorter sugeriu que cada sociedade tem seu próprio “repertório de sintomas”, que é o conjunto de sintomas dos quais nos valemos inconscientemente quando começamos a nos sentir mal mentalmente.
Por exemplo, uma mulher da era vitoriana em luto poderia dizer que se sentia fraca, enquanto sua contraparte moderna no Reino Unido poderia sugerir que se sentia ansiosa ou deprimida, e alguém na mesma situação na China poderia afirmar que estava com dor de estômago.
Nesse cenário, todas teriam tido experiências idênticas — talvez todas tenham se sentido fracas, tensas ou sofrido com dor física —, mas os sintomas aos quais prestaram mais atenção eram diferentes, dependendo do que era considerado normal em sua sociedade.
No Reino Unido, a ultrapassada “histeria” — que acreditava-se afetar principalmente as mulheres e causar desmaios, explosões emocionais e nervosismo — desapareceu do imaginário popular no início do século 20.
Mas Shorter sugere que ela não desapareceu de fato. Em vez disso, o conjunto de sintomas que procuramos evoluiu. Atualmente, o mesmo fenômeno mental se esconde atrás de outros diagnósticos, como a depressão.
Isso se encaixa em outro conceito que vem ganhando popularidade, “expressões idiomáticas de angústia”, que sugere que cada cultura tem certas formas aceitáveis e estabelecidas de expressar angústia emocional em um determinado momento.
Em uma sociedade, você pode exagerar na bebida, enquanto em outras pode dizer que é vítima de bruxaria ou diagnosticar a si mesmo com transtornos como koro ou depressão.
Por exemplo, no mundo islâmico, acredita-se amplamente que é possível ser possuído por jinns, ou espíritos malignos. Eles podem ser bons, maus ou neutros, mas geralmente são culpados pelo comportamento errático. O conceito é tão popular que está até no livro sagrado dos muçulmanos, o Alcorão.
“Muitos dos meus pacientes têm esta crença muito forte”, diz Shahzada Nawaz, psiquiatra do North Manchester General Hospital, no Reino Unido.
Nawaz explica que a capacidade de invocar espíritos é particularmente útil nas culturas islâmicas, devido ao estigma que tende a acompanhar os transtornos mentais ocidentais.
Um estudo com 30 pacientes de Bangladesh que frequentavam um serviço de saúde mental em um bairro do leste de Londres mostrou que, embora eles tivessem sido diagnosticados com uma variedade de problemas, como esquizofrenia e transtorno bipolar, seus familiares geralmente achavam que se devia à possessão por jinns.
A neurastenia é um transtorno colonial do século 19, que ocorre hoje principalmente na China e no Sudeste Asiático.
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Mas será que os transtornos vinculados à cultura são realmente apenas resultado de diferenças no rótulo? Outra possibilidade tentadora é que a sociedade em que vivemos possa, de fato, influenciar a maneira como ficamos doentes.
Dor física x dor psicológica
Acontece que existe uma diferença global invisível na forma como as pessoas sentem angústia. Nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Europa, pelo menos no século 21, a tendência é que a angústia ocorra na mente, com a predominância de sintomas como tristeza, raiva ou ansiedade.
Mas isso, na verdade, é muito estranho. Em muitas partes do mundo, em países tão diversos quanto China, Etiópia e Chile, ela se manifesta fisicamente.
Por exemplo, a edição mais atualizada do DSM descreve um ataque de pânico como “uma onda abrupta de medo intenso ou desconforto intenso”.
No entanto, nos refugiados cambojanos, os sintomas tendem a se concentrar no pescoço. Muitos transtornos mentais não ocidentais, como o koro e o hwa-byung, se encaixam neste padrão de percepção de sintomas físicos.
Por outro lado, os transtornos mentais que envolvem a percepção da dor são raros no mundo ocidental e calorosamente debatidos. Alguns cientistas acreditam que a síndrome da fadiga crônica e a fibromialgia se enquadram nesta categoria, embora isso seja controverso.
Na verdade, sabe-se há anos que nossas crenças podem ter um efeito poderoso sobre a maneira como nos sentimos — e até mesmo sobre nossa biologia. Um exemplo é a “morte vodu”, na qual uma morte súbita é provocada pelo medo.
Em um caso famoso documentado por um dos primeiros exploradores da Nova Zelândia, uma mulher maori comeu acidentalmente algumas frutas de um local considerado proibido. Depois de anunciar que o espírito do chefe a mataria pelo ato de sacrilégio, ela morreu no dia seguinte.
Se alguém poderia provocar a própria morte, apenas pelo medo, não está claro.
No entanto, há fortes evidências de que nossos pensamentos e sentimentos podem ter um impacto físico tangível, como quando um paciente espera que um medicamento tenha efeitos colaterais e, por isso, ele acaba tendo — conhecido como efeito nocebo.
“Eu diria que há, sem dúvida, casos em que o significado atribuído às experiências realmente muda biologicamente o que essa experiência é”, diz Bonnie Kaiser, especialista em antropologia psicológica da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos EUA.
Ela dá o exemplo do transtorno kyol goeu (“sobrecarga de vento”, em tradução literal), um enigmático desmaio que é prevalente entre os refugiados do Khmer Vermelho nos EUA.
Em seu país natal, o Camboja, acredita-se que o corpo está repleto de canais que contêm uma substância semelhante ao vento — e, se eles forem bloqueados, a overdose de vento resultante fará com que o paciente perca permanentemente o uso de um membro ou morra.
De 100 pacientes refugiados do Khmer em uma clínica psiquiátrica nos EUA, um estudo constatou que 36% já haviam tido um episódio do transtorno em algum momento.
Os ataques geralmente ocorrem lentamente, começando com uma sensação geral de mal-estar. Até que, um dia, a vítima se levanta e percebe que está tonta — e é assim que ela sabe que o ataque está começando.
Por fim, elas vão cair no chão, incapazes de se mover ou falar até que seus parentes tenham administrado os primeiros socorros apropriados, que geralmente consistem em massagear seus membros ou morder seus tornozelos.
Embora os medicamentos sejam úteis para muita gente, indivíduos com certas crenças culturais podem se sentir mais confortáveis com tratamentos como a psicoterapia.
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Kaiser ressalta que, quando a maioria das pessoas sente uma tontura, elas simplesmente ignoram. Mas se alguém interpretar essa sensação como sinal do início de um ataque de kyol goeu, vai pensar: “Ai, meu Deus, algo terrível está acontecendo”.
“Elas realmente se preocupam com isso e entram em pânico”, explica.
O significado atribuído à sensação de tontura muda tudo.
“Basicamente, a experiência real no corpo se torna muito diferente”, diz Kaiser.
“Por isso, para mim, não se trata de algo que tem um nome diferente em lugares diferentes — essa doença simplesmente não existe em alguns lugares. A própria biologia dessa experiência é afetada pela cultura.”
De acordo com Kaiser, na realidade, é provável que, para muitos transtornos mentais, haja uma diferença na maneira como as pessoas interpretam as mesmas experiências físicas, e um ciclo de feedback positivo que permite que suas ideias culturais moldem a forma como elas se manifestam.
Revendo as doenças ocidentais
Como nossa compreensão das doenças vinculadas à cultura melhorou, alguns psicólogos começaram a questionar se certas condições de saúde mental ocidentais também se enquadram nesta categoria.
Embora certos transtornos pareçam ser universais — a esquizofrenia ocorre em todos os países do planeta, em uma taxa relativamente constante —, isso não é verdade para outros.
A bulimia é menos frequente nas culturas orientais, enquanto a tensão pré-menstrual (TPM) é praticamente inexistente na China, em Hong Kong e na Índia. Já se argumentou, de forma um tanto controversa, que a depressão é uma invenção do mundo de língua inglesa, decorrente da noção equivocada de que é normal ser feliz o tempo todo.
Na era moderna, seria ingênuo pensar que os transtornos mentais de que sofremos são independentes do nosso estilo de vida.
“Acho que há uma tremenda arrogância na forma como universalizamos esses transtornos mentais, e não os vemos como social e historicamente específicos”, diz Aho, ressaltando que o transtorno de déficit de atenção só foi adicionado ao DSM em 1980.
“Está claro que as crianças têm mais dificuldade em prestar atenção agora, porque são bombardeadas com estímulos sensoriais, e sua existência é amplamente mediada por telas. Portanto, não é como se tivéssemos acabado de descobrir uma entidade médica distinta — é possível ver a maneira como a tecnologia está moldando a vida mental, emocional e comportamental das crianças.”
Independentemente da causa, em um mundo com cada vez mais mobilidade, alguns especialistas estão preocupados com o fato de que transtornos culturalmente específicos não estão sendo reconhecidos pelos profissionais de saúde mental.
“Nas culturas do Leste Asiático, o vocabulário e a linguagem que as pessoas usam para expressar sua angústia e sintomas são bem diferentes”, diz Sumin Na, psicóloga da Universidade McGill, no Canadá.
Isso significa que, quando as pessoas do Leste Asiático migram para lugares como a América do Norte, muitas vezes não fica claro quando elas precisam de ajuda.
Os refugiados do Khmer nos EUA muitas vezes sofrem ataques de kyol goeu.
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“Por exemplo, em grande parte da sociedade ocidental, acho que vemos a depressão e a ansiedade como um desequilíbrio químico. E isso nos leva a procurar ajuda por meio do nosso médico e a tomar medicamentos”, diz ela.
“Mas, no Leste Asiático, é visto mais como uma preocupação social, espiritual ou familiar, de modo que as pessoas podem procurar ajuda espiritual ou encontrar maneiras de resolver conflitos familiares.”
Para que as pessoas recebam a ajuda de que precisam, Sumin Na diz que é importante entender o histórico do paciente — as normas culturais de onde ele vem e a perda de poder e privilégio que ele pode ter vivenciado quando se mudou, o que muitas vezes pode levar a problemas de saúde mental no futuro.
“Acho que também temos que tentar deixar de lado o que achamos que é o conhecimento ‘correto’ sobre saúde mental e transtorno mental, e não ficarmos muito presos a ele ou ao DSM-5 como a única maneira de entender e rotular os transtornos mentais”, acrescenta.
Da mesma forma, não é razoável esperar que os mesmos tratamentos funcionem para todos. A psicóloga sugere que, embora os medicamentos sejam úteis para muitas pessoas, aquelas com determinadas crenças culturais podem se sentir mais confortáveis com tratamentos como a psicoterapia.
Em uma época em que se observam perdas drásticas na diversidade de praticamente todos os outros tipos — de espécies a idiomas —, sugeriu-se que estamos em um precipício, potencialmente prestes a perder nossa variedade de transtornos mentais também.
No livro Crazy Like Us (“Loucos como nós”, em tradução livre), o autor Ethan Watters descreve como passamos as últimas décadas lenta e insidiosamente americanizando o transtorno mental — nos forçando colocar uma variedade de experiências emocionais e psicológicas existentes em algumas “caixas” aprovadas, como ansiedade e depressão — e “homogeneizando a maneira como o mundo enlouquece”.
Nesse processo, não só corremos o risco de perder diagnósticos e assim os tratamentos mais adequados, mas também a oportunidade de entender como os transtornos mentais se desenvolvem.
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
Cientistas brasileiros desenvolvem novo tratamento, bastante promissor, para o câncer de pênis
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“NÃO TENHA MEDO DO KORO”, dizia a manchete do jornal Straits Times em 7 de novembro de 1967. Nos dias anteriores, um fenômeno peculiar havia se espalhado por Singapura. Milhares de homens haviam se convencido espontaneamente de que seus pênis estavam encolhendo — e que isso acabaria matando-os.
A histeria em massa tomou conta rapidamente. Os homens tentavam desesperadamente segurar seus órgãos genitais, usando tudo o que tinham à mão: elásticos, prendedores de roupa, barbante. Médicos locais inescrupulosos lucraram, recomendando várias injeções e remédios tradicionais.
Corria o boato de que a súbita retração do pênis era causada por algo que os homens haviam comido. Os moradores locais desconfiavam da carne suína, especificamente de porcos que haviam sido vacinados como parte de um programa que o governo havia imposto às fazendas de Singapura. As vendas de carne suína despencaram rapidamente.
Embora as autoridades de saúde pública tenham se esforçado para conter o surto de histeria, explicando que aquilo era causado apenas pelo “medo psicológico”, não funcionou. No fim das contas, mais de 500 pessoas procuraram tratamento em hospitais públicos.
Na verdade, o medo de perder o pênis é mais comum do que se imagina. Ele aparece com bastante regularidade em determinadas culturas ao redor do mundo.
No Sudeste Asiático e na China, é comum o suficiente para ter até um nome: “koro”, que remete possivelmente — e de forma bastante visual — à palavra javanesa para tartaruga, referindo-se à sua aparência quando retrai a cabeça para dentro do casco.
O koro tem uma história que remonta a milhares de anos, mas o surto mais recente ocorreu em 2015, no leste da Índia. No total, 57 pessoas foram afetadas, incluindo oito mulheres, para quem a síndrome tende a se manifestar como um medo de que seus mamilos estejam se retraindo para dentro do corpo.
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Os transtornos mentais ocidentais, por outro lado, eram vistos como universais — e você poderia garantir que todo problema “genuíno” seria encontrado nas páginas sagradas da bíblia psiquiátrica americana, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (mais comumente conhecido como DSM, na sigla em inglês). Mas hoje os cientistas estão percebendo cada vez mais que este não é o caso.
Na região do planalto central do Haiti, as pessoas adoecem regularmente com reflechi twòp (“pensar demais”, literalmente), que envolve ruminar sobre seus problemas até que você mal consiga sair de casa.
Na Coreia do Sul, por sua vez, existe o hwa-byung (“vírus da raiva”, em tradução livre) —, que é causado ao reprimir sentimentos sobre algo que você considera injusto, até que você sucumba a alguns sintomas físicos alarmantes, como uma sensação de queimação no corpo.
Lidar com membros da família irritantes é um grande fator de risco — é comum durante divórcios e conflitos com parentes.
Embora, para os não iniciados, esses transtornos mentais possam parecer excêntricos ou até mesmo inventados, na verdade, eles são problemas sérios e legítimos de saúde mental que atingem um grande número de pessoas.
Estima-se que o hwa-byung afete cerca de 10 mil pessoas na Coreia do Sul todos os anos — em sua maioria, mulheres casadas mais velhas —, e uma pesquisa mostrou que ele deixa uma marca mensurável no cérebro.
Em 2009, exames de imagem revelaram que quem sofre deste distúrbio apresentava menor atividade em uma área do cérebro conhecida por estar envolvida em tarefas relacionadas à emoção e controle de impulsos. Isso faz sentido, já que o hwa-byung é um transtorno de raiva.
As consequências das síndromes vinculadas à cultura podem ser devastadoras. Os ataques de koro podem ser tão convincentes que os homens causam graves danos aos seus órgãos genitais, na tentativa de impedi-los de retrair.
As pessoas que sofrem de reflechi twòp têm oito vezes mais chance de ter pensamentos suicidas, enquanto o hwa-byung tem sido associado a sofrimento emocional, isolamento social, desmoralização e depressão, dor física, baixa autoestima e infelicidade.
Curiosamente, algumas doenças intraduzíveis desapareceram recentemente, enquanto outras estão se espalhando para novas partes do mundo.
Mas, afinal, de onde vêm essas doenças, e o que determina onde elas são encontradas? A busca por respostas tem fascinado antropólogos e psiquiatras há décadas — e agora suas descobertas estão norteando nossa compreensão da própria origem dos transtornos mentais.
Exportação do Ocidente
O prêmio de doença vinculada à cultura com a história mais surpreendente vai, sem dúvida, para a “neurastenia” (também conhecida como shenjing shuairuo). Embora ocorra principalmente na China e no Sudeste Asiático atualmente, trata-se, na verdade, de um transtorno colonial do século 19.
A neurastenia foi popularizada pelo neurologista americano George Miller Beard, que a descreveu como uma “exaustão do sistema nervoso”. Na época, a Revolução Industrial estava gerando uma grande reviravolta na vida cotidiana, e ele acreditava que a neurastenia — uma síndrome caracterizada por dor de cabeça, fadiga e ansiedade, entre outras coisas — era resultado disso.
Às vezes, as doenças relacionadas à cultura ocorrem apenas em uma determinada classe social ou época.
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“Quando romancistas famosos como Marcel Proust foram diagnosticados, o transtorno se tornou bastante popular”, diz Kevin Aho, filósofo da Universidade da Costa do Golfo da Flórida, nos EUA, que estudou a história do transtorno.
“Era praticamente uma tendência, e indicava sensibilidade, criatividade intelectual — era uma espécie de indicador da sofisticação de alguém.”
Por fim, a neurastenia se espalhou para as colônias europeias ao redor do mundo, onde foi “contraída” com entusiasmo por oficiais bigodudos e suas esposas, como uma forma de adicionar um rótulo ao sentimento de saudade de casa.
De acordo com uma pesquisa realizada em 1913, a neurastenia foi o diagnóstico mais prevalente entre os colonizadores brancos na Índia, Sri Lanka (então Ceilão), China e Japão.
Com o passar dos anos, a neurastenia perdeu gradualmente seu apelo no Ocidente, à medida que foi associada a problemas psiquiátricos mais graves. Agora foi completamente esquecida.
Em outros lugares, porém, aconteceu o contrário: foi usada como um diagnóstico que não trazia o estigma do transtorno mental — e continua em uso até hoje.
Em algumas partes da Ásia, é mais provável que as pessoas digam que têm neurastenia do que depressão. Um estudo de 2018 realizado com uma amostra aleatória de adultos de Guangzhou, na China, mostrou que 15,4% se identificaram como tendo neurastenia, contra 5,3% que disseram ter depressão.
Mas a neurastenia também está desaparecendo da Ásia agora.
“Quando entrevistei pacientes pela primeira vez em um hospital psiquiátrico em Ho Chi Minh, no Vietnã, em 2008, quase todos disseram que tinham neurastenia”, conta Allen Tran, antropólogo psicólogo da Universidade Bucknell, na Pensilvânia, nos EUA.
“Então, quando fiz uma pesquisa de acompanhamento dez anos depois, acho que apenas uma pessoa da minha amostra disse que a tinha (neurastenia).”
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Há dois cenários possíveis acontecendo aqui. Em primeiro lugar, existe a ideia de que toda a humanidade é suscetível à mesma variedade limitada de transtornos mentais — todos nós nos sentimos ansiosos e deprimidos, por exemplo, mas a maneira como falamos sobre essas coisas varia dependendo de quando e onde você vive.
O fato de que as doenças vinculadas à cultura podem ser adquiridas e desaparecer dentro de uma única comunidade, e com tanta rapidez, é uma pista importante.
Isso sugere que elas não são impulsionadas, por exemplo, por fatores genéticos, uma vez que este tipo de mudança geralmente leva centenas ou milhares de anos, em vez de dezenas.
Em vez disso, a rápida extinção da neurastenia no Vietnã pode ser atribuída à crescente popularidade do conceito de ansiedade, que foi importado do exterior.
É possível que a incidência real de transtornos mentais tenha sido a mesma durante todo esse tempo, mas, conceitualmente, uma foi substituída pela outra, explica Tran.
Nesse sentido, o autor e historiador médico Edward Shorter sugeriu que cada sociedade tem seu próprio “repertório de sintomas”, que é o conjunto de sintomas dos quais nos valemos inconscientemente quando começamos a nos sentir mal mentalmente.
Por exemplo, uma mulher da era vitoriana em luto poderia dizer que se sentia fraca, enquanto sua contraparte moderna no Reino Unido poderia sugerir que se sentia ansiosa ou deprimida, e alguém na mesma situação na China poderia afirmar que estava com dor de estômago.
Nesse cenário, todas teriam tido experiências idênticas — talvez todas tenham se sentido fracas, tensas ou sofrido com dor física —, mas os sintomas aos quais prestaram mais atenção eram diferentes, dependendo do que era considerado normal em sua sociedade.
No Reino Unido, a ultrapassada “histeria” — que acreditava-se afetar principalmente as mulheres e causar desmaios, explosões emocionais e nervosismo — desapareceu do imaginário popular no início do século 20.
Mas Shorter sugere que ela não desapareceu de fato. Em vez disso, o conjunto de sintomas que procuramos evoluiu. Atualmente, o mesmo fenômeno mental se esconde atrás de outros diagnósticos, como a depressão.
Isso se encaixa em outro conceito que vem ganhando popularidade, “expressões idiomáticas de angústia”, que sugere que cada cultura tem certas formas aceitáveis e estabelecidas de expressar angústia emocional em um determinado momento.
Em uma sociedade, você pode exagerar na bebida, enquanto em outras pode dizer que é vítima de bruxaria ou diagnosticar a si mesmo com transtornos como koro ou depressão.
Por exemplo, no mundo islâmico, acredita-se amplamente que é possível ser possuído por jinns, ou espíritos malignos. Eles podem ser bons, maus ou neutros, mas geralmente são culpados pelo comportamento errático. O conceito é tão popular que está até no livro sagrado dos muçulmanos, o Alcorão.
“Muitos dos meus pacientes têm esta crença muito forte”, diz Shahzada Nawaz, psiquiatra do North Manchester General Hospital, no Reino Unido.
Nawaz explica que a capacidade de invocar espíritos é particularmente útil nas culturas islâmicas, devido ao estigma que tende a acompanhar os transtornos mentais ocidentais.
Um estudo com 30 pacientes de Bangladesh que frequentavam um serviço de saúde mental em um bairro do leste de Londres mostrou que, embora eles tivessem sido diagnosticados com uma variedade de problemas, como esquizofrenia e transtorno bipolar, seus familiares geralmente achavam que se devia à possessão por jinns.
A neurastenia é um transtorno colonial do século 19, que ocorre hoje principalmente na China e no Sudeste Asiático.
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Mas será que os transtornos vinculados à cultura são realmente apenas resultado de diferenças no rótulo? Outra possibilidade tentadora é que a sociedade em que vivemos possa, de fato, influenciar a maneira como ficamos doentes.
Dor física x dor psicológica
Acontece que existe uma diferença global invisível na forma como as pessoas sentem angústia. Nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Europa, pelo menos no século 21, a tendência é que a angústia ocorra na mente, com a predominância de sintomas como tristeza, raiva ou ansiedade.
Mas isso, na verdade, é muito estranho. Em muitas partes do mundo, em países tão diversos quanto China, Etiópia e Chile, ela se manifesta fisicamente.
Por exemplo, a edição mais atualizada do DSM descreve um ataque de pânico como “uma onda abrupta de medo intenso ou desconforto intenso”.
No entanto, nos refugiados cambojanos, os sintomas tendem a se concentrar no pescoço. Muitos transtornos mentais não ocidentais, como o koro e o hwa-byung, se encaixam neste padrão de percepção de sintomas físicos.
Por outro lado, os transtornos mentais que envolvem a percepção da dor são raros no mundo ocidental e calorosamente debatidos. Alguns cientistas acreditam que a síndrome da fadiga crônica e a fibromialgia se enquadram nesta categoria, embora isso seja controverso.
Na verdade, sabe-se há anos que nossas crenças podem ter um efeito poderoso sobre a maneira como nos sentimos — e até mesmo sobre nossa biologia. Um exemplo é a “morte vodu”, na qual uma morte súbita é provocada pelo medo.
Em um caso famoso documentado por um dos primeiros exploradores da Nova Zelândia, uma mulher maori comeu acidentalmente algumas frutas de um local considerado proibido. Depois de anunciar que o espírito do chefe a mataria pelo ato de sacrilégio, ela morreu no dia seguinte.
Se alguém poderia provocar a própria morte, apenas pelo medo, não está claro.
No entanto, há fortes evidências de que nossos pensamentos e sentimentos podem ter um impacto físico tangível, como quando um paciente espera que um medicamento tenha efeitos colaterais e, por isso, ele acaba tendo — conhecido como efeito nocebo.
“Eu diria que há, sem dúvida, casos em que o significado atribuído às experiências realmente muda biologicamente o que essa experiência é”, diz Bonnie Kaiser, especialista em antropologia psicológica da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos EUA.
Ela dá o exemplo do transtorno kyol goeu (“sobrecarga de vento”, em tradução literal), um enigmático desmaio que é prevalente entre os refugiados do Khmer Vermelho nos EUA.
Em seu país natal, o Camboja, acredita-se que o corpo está repleto de canais que contêm uma substância semelhante ao vento — e, se eles forem bloqueados, a overdose de vento resultante fará com que o paciente perca permanentemente o uso de um membro ou morra.
De 100 pacientes refugiados do Khmer em uma clínica psiquiátrica nos EUA, um estudo constatou que 36% já haviam tido um episódio do transtorno em algum momento.
Os ataques geralmente ocorrem lentamente, começando com uma sensação geral de mal-estar. Até que, um dia, a vítima se levanta e percebe que está tonta — e é assim que ela sabe que o ataque está começando.
Por fim, elas vão cair no chão, incapazes de se mover ou falar até que seus parentes tenham administrado os primeiros socorros apropriados, que geralmente consistem em massagear seus membros ou morder seus tornozelos.
Embora os medicamentos sejam úteis para muita gente, indivíduos com certas crenças culturais podem se sentir mais confortáveis com tratamentos como a psicoterapia.
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Kaiser ressalta que, quando a maioria das pessoas sente uma tontura, elas simplesmente ignoram. Mas se alguém interpretar essa sensação como sinal do início de um ataque de kyol goeu, vai pensar: “Ai, meu Deus, algo terrível está acontecendo”.
“Elas realmente se preocupam com isso e entram em pânico”, explica.
O significado atribuído à sensação de tontura muda tudo.
“Basicamente, a experiência real no corpo se torna muito diferente”, diz Kaiser.
“Por isso, para mim, não se trata de algo que tem um nome diferente em lugares diferentes — essa doença simplesmente não existe em alguns lugares. A própria biologia dessa experiência é afetada pela cultura.”
De acordo com Kaiser, na realidade, é provável que, para muitos transtornos mentais, haja uma diferença na maneira como as pessoas interpretam as mesmas experiências físicas, e um ciclo de feedback positivo que permite que suas ideias culturais moldem a forma como elas se manifestam.
Revendo as doenças ocidentais
Como nossa compreensão das doenças vinculadas à cultura melhorou, alguns psicólogos começaram a questionar se certas condições de saúde mental ocidentais também se enquadram nesta categoria.
Embora certos transtornos pareçam ser universais — a esquizofrenia ocorre em todos os países do planeta, em uma taxa relativamente constante —, isso não é verdade para outros.
A bulimia é menos frequente nas culturas orientais, enquanto a tensão pré-menstrual (TPM) é praticamente inexistente na China, em Hong Kong e na Índia. Já se argumentou, de forma um tanto controversa, que a depressão é uma invenção do mundo de língua inglesa, decorrente da noção equivocada de que é normal ser feliz o tempo todo.
Na era moderna, seria ingênuo pensar que os transtornos mentais de que sofremos são independentes do nosso estilo de vida.
“Acho que há uma tremenda arrogância na forma como universalizamos esses transtornos mentais, e não os vemos como social e historicamente específicos”, diz Aho, ressaltando que o transtorno de déficit de atenção só foi adicionado ao DSM em 1980.
“Está claro que as crianças têm mais dificuldade em prestar atenção agora, porque são bombardeadas com estímulos sensoriais, e sua existência é amplamente mediada por telas. Portanto, não é como se tivéssemos acabado de descobrir uma entidade médica distinta — é possível ver a maneira como a tecnologia está moldando a vida mental, emocional e comportamental das crianças.”
Independentemente da causa, em um mundo com cada vez mais mobilidade, alguns especialistas estão preocupados com o fato de que transtornos culturalmente específicos não estão sendo reconhecidos pelos profissionais de saúde mental.
“Nas culturas do Leste Asiático, o vocabulário e a linguagem que as pessoas usam para expressar sua angústia e sintomas são bem diferentes”, diz Sumin Na, psicóloga da Universidade McGill, no Canadá.
Isso significa que, quando as pessoas do Leste Asiático migram para lugares como a América do Norte, muitas vezes não fica claro quando elas precisam de ajuda.
Os refugiados do Khmer nos EUA muitas vezes sofrem ataques de kyol goeu.
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“Por exemplo, em grande parte da sociedade ocidental, acho que vemos a depressão e a ansiedade como um desequilíbrio químico. E isso nos leva a procurar ajuda por meio do nosso médico e a tomar medicamentos”, diz ela.
“Mas, no Leste Asiático, é visto mais como uma preocupação social, espiritual ou familiar, de modo que as pessoas podem procurar ajuda espiritual ou encontrar maneiras de resolver conflitos familiares.”
Para que as pessoas recebam a ajuda de que precisam, Sumin Na diz que é importante entender o histórico do paciente — as normas culturais de onde ele vem e a perda de poder e privilégio que ele pode ter vivenciado quando se mudou, o que muitas vezes pode levar a problemas de saúde mental no futuro.
“Acho que também temos que tentar deixar de lado o que achamos que é o conhecimento ‘correto’ sobre saúde mental e transtorno mental, e não ficarmos muito presos a ele ou ao DSM-5 como a única maneira de entender e rotular os transtornos mentais”, acrescenta.
Da mesma forma, não é razoável esperar que os mesmos tratamentos funcionem para todos. A psicóloga sugere que, embora os medicamentos sejam úteis para muitas pessoas, aquelas com determinadas crenças culturais podem se sentir mais confortáveis com tratamentos como a psicoterapia.
Em uma época em que se observam perdas drásticas na diversidade de praticamente todos os outros tipos — de espécies a idiomas —, sugeriu-se que estamos em um precipício, potencialmente prestes a perder nossa variedade de transtornos mentais também.
No livro Crazy Like Us (“Loucos como nós”, em tradução livre), o autor Ethan Watters descreve como passamos as últimas décadas lenta e insidiosamente americanizando o transtorno mental — nos forçando colocar uma variedade de experiências emocionais e psicológicas existentes em algumas “caixas” aprovadas, como ansiedade e depressão — e “homogeneizando a maneira como o mundo enlouquece”.
Nesse processo, não só corremos o risco de perder diagnósticos e assim os tratamentos mais adequados, mas também a oportunidade de entender como os transtornos mentais se desenvolvem.
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
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Postado em: 03:01