Dois elementos – a sexta-feira e o número 13 – que já causavam receio isoladamente acabaram se unindo em um momento da história. Mas, por ironia do destino, um grupo que surgiu para ridicularizar superstições acabou consagrando a data. É sexta-feira 13, o dia mais amaldiçoado do calendário, supostamente quando tudo pode dar errado. Mas de onde surgiu a ideia de que coisas ruins acontecem nesta data, que acontece entre uma e três vezes ao ano?
A sexta-feira e o número 13 já eram associados ao azar por si só, segundo Steve Roud, autor do guia da editora Penguin Superstições da Grã-Bretanha e Irlanda.
“Porque sexta-feira foi o dia da crucificação (de Jesus Cristo), as sextas-feiras sempre foram vistas como um dia de penitência e abstinência”, diz ele.
“A crença religiosa virou uma aversão generalizada a começar algo ou fazer qualquer coisa importante em uma sexta-feira.”
Por volta de 1690, começou a circular uma lenda urbana dizendo que ter 13 pessoas em um grupo ou em torno de uma mesa dava azar, explica Roud.
As teorias por trás da associação de azar com o número 13 incluem o número de pessoas presentes na Última Ceia e o número de bruxas em um clã.
Até que esses dois elementos – a sexta-feira e o número 13 – que já causavam receio isoladamente, acabaram se unindo em um momento da história.
Mas, por ironia do destino, um grupo que surgiu para ridicularizar superstições acabou consagrando a data.
Em 1907, um livro chamado Sexta-feira 13 foi publicado pelo corretor de ações Thomas Lawson – essa foi a inspiração para a mitologia em torno da data, culminando na franquia de filmes homônima nos anos 1980.
O livro conta a história sombria de um corretor de Wall Street que manipula o valor de ações para se vingar de seus inimigos, deixando-os na miséria.
Para isso, ele tira proveito da tensão natural causada pela data no mercado financeiro. “Cada homem na bolsa de valores está de olho nessa data. Sexta-feira, 13, quebraria o melhor pregão em andamento”, diz um dos personagens.
Como se vê, em 1907, a sexta-feira 13 já era uma superstição socialmente estabelecida. Mas não era assim 25 anos antes.
O Clube dos Treze, um grupo de homens determinados a desafiar superstições, se reuniu pela primeira vez em 13 de setembro de 1881 (uma quarta-feira) – mas só seria fundado oficialmente em 13 de janeiro de 1882.
Eles se encontravam sempre no dia 13 de cada mês, sentavam – os 13 – à mesa, quebravam espelhos, derrubavam saleiros extravagantemente e entravam no salão de jantar passando debaixo de uma escada.
Os relatórios anuais do clube mostravam meticulosamente quantos de seus membros tinham morrido, e quantas destas mortes haviam ocorrido dentro do prazo de um ano após um membro comparecer a um de seus jantares.
‘Grande coração’
O grupo foi fundado pelo capitão William Fowler em seu restaurante, o Knickerbocker Cottage, na Sexta Avenida de Manhattan, em Nova York. Ele era considerado um “bom companheiro de grande coração, simples e caridoso”.
Como mestre de cerimônias, ele “sempre entrava no salão de banquetes à frente do grupo, vistoso e sem medo”, segundo Daniel Wolff, “chefe de regras” do clube.
O jornal The New York Times informou na época que, na primeira reunião, o 13º convidado estava atrasado, e Fowler ordenou que um dos garçons assumisse seu lugar: “O garçom estava sendo empurrado escada acima quando o convidado que faltava chegou”.
O primeiro alvo do grupo foi a superstição de que, se 13 pessoas jantassem juntas, uma delas morreria em breve. Mas uma segunda superstição veio logo a seguir.
Em abril de 1882, o clube adotou uma resolução lastimando o fato de que a sexta-feira era “há muitos séculos considerado um dia de azar… sem motivos razoáveis” e enviou apelos ao presidente americano, a governadores e a juízes pedindo que estes últimos parassem de marcar enforcamentos para sextas-feiras e levassem a cabo execuções em outros dias da semana.
Mas não há qualquer sinal da superstição da sexta-feira 13 nas atividades do clube. Ela surgiu em algum momento entre a fundação do clube, em 1882, e a publicação do livro de Lawson de 1907.
Seria isso por culpa do próprio clube?
Orgulho
O grupo aproveitava todas as oportunidades que apareciam para juntar as duas superstições e ridicularizá-las, segundo reportagem do jornal Los Angeles Herald de 1895: “Nos últimos 13 anos, quando a sexta-feira caiu no dia 13, esta peculiar organização fez reuniões especiais para se deleitar”.
O clube se orgulhava de ter colocado a superstição no foco das atenções. Sua fama cresceu: o grupo original de 13 membros passou a contar com centenas de pessoas na virada do século, e clubes parecidos foram fundados em outras cidades em todo o país.
Em 1894, foi criado o Clube dos Treze de Londres. Em uma carta de 1883 aos membros nova-iorquinos, o escriba do clube londrino, Charles Sotheran, elogia a determinação com que eles combateram “duas dessas superstições vulgares, a crença de que o número 13 traria azar e que a sexta-feira seria um dia azarado”.
“Vocês criaram um sentimento popular a favor dos dois”, diz a carta,
A frase é ambígua, mas ela pode ser interpretada como um sinal de que as duas superstições, juntas, caíram nas graças do povo.
A doutrina do Clube dos Treze era de que “superstições deveriam ser combatidas e eliminadas”.
Mas tudo indica que, em vez disso, eles tiveram o grande azar de acabar lançando uma das superstições mais conhecidas e persistentes do mundo ocidental.
*Com reportagem de Trevor Timpson
**Esta reportagem foi originalmente publicada em 13 de outubro de 2017 e republicada em 13 de dezembro de 2024
Guerra do Paraguai, 160 anos: as descobertas que contradizem o que a escola ensinou sobre o conflito sangrento
Como era o ‘Brasil holandês’, território no Nordeste que ficou por 25 anos sob domínio dos Países Baixos
A estátua de ‘pai’ de teoria racista que inspirou nazismo que museu sobre Dom Pedro 2º decidiu esconder
A sexta-feira e o número 13 já eram associados ao azar por si só, segundo Steve Roud, autor do guia da editora Penguin Superstições da Grã-Bretanha e Irlanda.
“Porque sexta-feira foi o dia da crucificação (de Jesus Cristo), as sextas-feiras sempre foram vistas como um dia de penitência e abstinência”, diz ele.
“A crença religiosa virou uma aversão generalizada a começar algo ou fazer qualquer coisa importante em uma sexta-feira.”
Por volta de 1690, começou a circular uma lenda urbana dizendo que ter 13 pessoas em um grupo ou em torno de uma mesa dava azar, explica Roud.
As teorias por trás da associação de azar com o número 13 incluem o número de pessoas presentes na Última Ceia e o número de bruxas em um clã.
Até que esses dois elementos – a sexta-feira e o número 13 – que já causavam receio isoladamente, acabaram se unindo em um momento da história.
Mas, por ironia do destino, um grupo que surgiu para ridicularizar superstições acabou consagrando a data.
Em 1907, um livro chamado Sexta-feira 13 foi publicado pelo corretor de ações Thomas Lawson – essa foi a inspiração para a mitologia em torno da data, culminando na franquia de filmes homônima nos anos 1980.
O livro conta a história sombria de um corretor de Wall Street que manipula o valor de ações para se vingar de seus inimigos, deixando-os na miséria.
Para isso, ele tira proveito da tensão natural causada pela data no mercado financeiro. “Cada homem na bolsa de valores está de olho nessa data. Sexta-feira, 13, quebraria o melhor pregão em andamento”, diz um dos personagens.
Como se vê, em 1907, a sexta-feira 13 já era uma superstição socialmente estabelecida. Mas não era assim 25 anos antes.
O Clube dos Treze, um grupo de homens determinados a desafiar superstições, se reuniu pela primeira vez em 13 de setembro de 1881 (uma quarta-feira) – mas só seria fundado oficialmente em 13 de janeiro de 1882.
Eles se encontravam sempre no dia 13 de cada mês, sentavam – os 13 – à mesa, quebravam espelhos, derrubavam saleiros extravagantemente e entravam no salão de jantar passando debaixo de uma escada.
Os relatórios anuais do clube mostravam meticulosamente quantos de seus membros tinham morrido, e quantas destas mortes haviam ocorrido dentro do prazo de um ano após um membro comparecer a um de seus jantares.
‘Grande coração’
O grupo foi fundado pelo capitão William Fowler em seu restaurante, o Knickerbocker Cottage, na Sexta Avenida de Manhattan, em Nova York. Ele era considerado um “bom companheiro de grande coração, simples e caridoso”.
Como mestre de cerimônias, ele “sempre entrava no salão de banquetes à frente do grupo, vistoso e sem medo”, segundo Daniel Wolff, “chefe de regras” do clube.
O jornal The New York Times informou na época que, na primeira reunião, o 13º convidado estava atrasado, e Fowler ordenou que um dos garçons assumisse seu lugar: “O garçom estava sendo empurrado escada acima quando o convidado que faltava chegou”.
O primeiro alvo do grupo foi a superstição de que, se 13 pessoas jantassem juntas, uma delas morreria em breve. Mas uma segunda superstição veio logo a seguir.
Em abril de 1882, o clube adotou uma resolução lastimando o fato de que a sexta-feira era “há muitos séculos considerado um dia de azar… sem motivos razoáveis” e enviou apelos ao presidente americano, a governadores e a juízes pedindo que estes últimos parassem de marcar enforcamentos para sextas-feiras e levassem a cabo execuções em outros dias da semana.
Mas não há qualquer sinal da superstição da sexta-feira 13 nas atividades do clube. Ela surgiu em algum momento entre a fundação do clube, em 1882, e a publicação do livro de Lawson de 1907.
Seria isso por culpa do próprio clube?
Orgulho
O grupo aproveitava todas as oportunidades que apareciam para juntar as duas superstições e ridicularizá-las, segundo reportagem do jornal Los Angeles Herald de 1895: “Nos últimos 13 anos, quando a sexta-feira caiu no dia 13, esta peculiar organização fez reuniões especiais para se deleitar”.
O clube se orgulhava de ter colocado a superstição no foco das atenções. Sua fama cresceu: o grupo original de 13 membros passou a contar com centenas de pessoas na virada do século, e clubes parecidos foram fundados em outras cidades em todo o país.
Em 1894, foi criado o Clube dos Treze de Londres. Em uma carta de 1883 aos membros nova-iorquinos, o escriba do clube londrino, Charles Sotheran, elogia a determinação com que eles combateram “duas dessas superstições vulgares, a crença de que o número 13 traria azar e que a sexta-feira seria um dia azarado”.
“Vocês criaram um sentimento popular a favor dos dois”, diz a carta,
A frase é ambígua, mas ela pode ser interpretada como um sinal de que as duas superstições, juntas, caíram nas graças do povo.
A doutrina do Clube dos Treze era de que “superstições deveriam ser combatidas e eliminadas”.
Mas tudo indica que, em vez disso, eles tiveram o grande azar de acabar lançando uma das superstições mais conhecidas e persistentes do mundo ocidental.
*Com reportagem de Trevor Timpson
**Esta reportagem foi originalmente publicada em 13 de outubro de 2017 e republicada em 13 de dezembro de 2024
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Postado em: 08:00