Bloco enfrenta desafio de balancear interesses diversos de todos os novos membros, dominância da China e Rússia e dois grandes conflitos. Chefes de Estado do Brasil, China, África do Sul e Índia e o chanceler russo em encontro do Brics de 2023.
Getty Images via BBC
Criado em 2009, o Brics foi fundado sob a premissa de que as instituições internacionais eram excessivamente dominadas por potências ocidentais e haviam deixado de servir aos países em desenvolvimento.
O grupo se juntou com o objetivo de coordenar as políticas econômicas e diplomáticas de seus membros, encontrar novas soluções para as instituições financeiras e reduzir a dependência do dólar americano.
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Ainda assim, seus integrantes sempre recusaram publicamente o título de “bloco anti-Ocidente” atribuído por alguns.
Mas com a emergência de dois grandes conflitos no contexto global e uma dominância cada vez maior da China e da Rússia dentro do grupo, o Brics está cada vez mais sendo enquadrado dessa forma.
A realização da 16ª cúpula dos líderes do grupo em território russo, em Kazan, é apontada por especialistas como a oportunidade perfeita para o governo de Vladimir Putin posar para fotos ao lado de seus contrapartes, impulsionar a ideia de que não está sozinho e, talvez, reforçar ainda mais essa posição.
Ao mesmo tempo, analistas temem que a expansão do bloco, com a entrada de quatro novos membros no início do ano e a possibilidade de novas incorporações, possa reforçar ainda mais a heterogeneidade do grupo e dificultar o consenso para alcançar novos objetivos.
Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos e Etiópia se juntaram à Brasil, Rússia, Índia, China e Rússia no início deste ano.
A Arábia Saudita também foi anunciada como um dos novos membros, mas ainda não concretizou os trâmites para se juntar oficialmente. Ainda assim, o país será representado pelo seu ministro de Relações Exteriores na reunião que começa nesta terça-feira (22/10).
‘Viés antiocidental’
Além dos nove membros oficiais do bloco (10 com a Arábia Saudita), o presidente russo Vladimir Putin convidou mais de 20 outros países interessados em se juntar ao Brics para a reunião de cúpula em Kazan.
Para a ex-diplomata e pesquisadora do instituto britânico Chatham House Natalie Sabanadze, um dos principais objetivos de Moscou com o encontro é enviar uma mensagem de que, apesar dos esforços do Ocidente para isolar o país, a Rússia ainda tem aliados.
“A Rússia vê o encontro como oportunidade de insistir na mensagem de que não só não está isolada, como tem ao seu lado países que representam metade da população mundial, um terço da produção econômica mundial e quase metade das reservas de petróleo bruto no globo”, diz.
Com a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 e o consequente apoio de EUA e Europa ao governo de Volodymyr Zelensky, especialistas veem cada vez mais o conflito se transformando em uma “guerra por procuração” (um confronto em que blocos se utilizam de terceiros para não lutarem diretamente entre si) entre as potências ocidentais e a Rússia.
Por isso mesmo, diz Marta Fernández, professora da PUC-Rio e diretora do BRICS Policy Center, a visão do Brics como um bloco anti-Ocidente tem relação com a própria dinâmica da política internacional atual, que além de extremamente polarizada está marcada por dois grandes conflitos (Ucrânia e Oriente Médio) .
“A política internacional está cada vez mais polarizada e existe uma pressão do sistema para aderir a um lado ou ao outro”, explica. “E nesse sentido qualquer arranjo alternativo ao tradicional é de certa forma alocado nesse espectro antiocidental”.
Ao mesmo tempo, a presença da China e, mais recentemente, do Irã – outro aliado estratégico de Pequim e Moscou -, no Brics abre ainda mais espaço para uma agenda anti-Ocidente, argumenta Stewart Patrick, diretor do programa de Ordem Global e Instituições do think-tank americano Carnegie Endowment for International Peace.
“Não há dúvida de que a entrada do Irã, bem como o fato de que a China e a Rússia já eram membros, significa que há oportunidades para maior colaboração em uma agenda antiocidental comum”, diz.
Para Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), a entrada de novos membros no bloco tem o potencial de reforçar ainda mais essa visão.
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Além dos países incluídos no bloco em 2024, os membros discutem aceitar países associados, que não seriam integrantes plenos, mas gozariam de muitos dos benefícios fornecidos pelo grupo. Segundo o governo brasileiro, mais de 30 nações teriam expressado desejo de ingressar no Brics, entre elas Azerbaijão, Bolívia, Honduras, Venezuela, Cuba e Turquia.
Os parâmetros para inclusão de novos integrantes ainda não estão claros. Em uma declaração recente, o Ministério de Relações Exteriores da Rússia disse que a não adesão às sanções implementadas contra a Rússia por Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido e outros aliados é um critério para a adesão aos Brics.
“Cada vez mais parece que a tendência é que os novos membros confirmem esse viés antiocidental”, afirmou Barbosa à BBC Brasil.
Segundo o diplomata, essa orientação tende a ficar mais visível em pautas como a busca por reforma nos organismos internacionais, a desdolarização da economia e a contestação de sanções unilaterais.
Paulo Velasco, professor de Política Internacional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), vê no Brics uma postura cada vez mais revisionista da ordem vigente.
“O bloco surgiu como um espaço revisionista, mas um revisionismo moderado e brando”, diz. “Mas esse aspecto está ficando cada vez mais latente, especialmente com a entrada do Irã no grupo ou a intenção de incluir países como Venezuela e Nicarágua.”
Mas os especialistas são unânimes ao reconhecer que nem todos os membros dos Brics têm desejo de se alinhar de forma estratégica com a Rússia ou com a China e desejam manter o diálogo com a outra ala da política mundial.
É o caso da Índia, da África do Sul e do Brasil. Segundo Patrick, esses países querem manter sua “flexibilidade diplomática” e fazer parte “da maior parte de clubes diferentes possível”.
Mas o posicionamento antiocidental do Brics parece já ter gerado incômodos, que alguns analistas veem manifestados pela demora na entrada formal da Arábia Saudita no bloco.
Riade e Moscou são parceiros na OPEP+, de países exportadores de petróleo, e Vladimir Putin cultiva um relacionamento pessoal caloroso com o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman. A China também tem se tornado um aliado cada vez mais importante da Arábia Saudita.
Mas ao mesmo tempo, o país tem nos Estados Unidos um de seus sócios mais notáveis, ao mesmo tempo em que cultiva uma rivalidade histórica com o Irã.
Os rumores são de que Washington, preocupado com a entrada da Arábia Saudita (e sua economia de alta renda) no Brics, teria trazido o tema para suas conversas, fazendo com que a nação árabe revisse sua posição.
Quanto mais membros melhor?
Ao mesmo tempo, especialistas afirmam que as divergências e heterogeneidade dos Brics só tendem a aumentar com novos membros.
Para Rubens Barbosa, ao mesmo tempo em que o grupo mostra tendências mais anti-Ocidente, também parece estar cada vez mais difuso.
“O bloco como está agora já está exibindo muitos interesses difusos e se novos países entrarem a tendência é só crescer”, diz. “Vamos ver uma agenda de mais contestação ao Ocidente, mas também podemos esperar que nem todos concordem com essa agenda.”
Stewart Patrick, do think-tank americano Carnegie Endowment for International Peace, afirma que o Brics sempre foi marcado pela heterogeneidade de seus membros – mas argumenta que a expansão do grupo pode tornar a cooperação de forma extensiva e o desenvolvimento de um propósito coerente ainda mais difíceis.
“Esses países têm sistemas políticos muito diferentes, estão em posições econômicas muito distantes em termos de protagonismo e renda per capita, têm diferentes alinhamentos estratégicos e, em alguns casos, são inclusive rivais geopolíticos”, diz.
Além do conflito de interesses latente entre Arábia Saudita e Irã, Patrick cita os conflitos entre China e Índia em suas fronteiras e a competição entre as duas nações por influência no Oceano Índico como exemplo desses desencontros.
Os especialistas também preveem uma certa divergência em torno dos debates sobre transição energética.
Rússia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos são grandes produtores de petróleo e gás. Enquanto isso, a China e a Índia estão no grupo dos maiores importadores mundiais de combustível. Além disso, Egito, Etiópia e Brasil também são importadores de produtos derivados e de petróleo bruto.
“Então podemos esperar que suas atitudes em relação à transição para energia limpa e outras políticas de recursos naturais sejam bem diferentes”, diz Patrick.
Em agosto do ano passado, o criador do termo Bric (ainda sem a África do Sul), o economista britânico Jim O’Neill descreveu o anúncio de expansão do bloco como “sem critério”.
“Continuo sem saber o que os Brics pretendem alcançar, além de um simbolismo poderoso”, disse O’Neill à BBC News Brasil. “Isso fica óbvio com a escolha do Irã, por exemplo. Diria que pode até tornar as coisas mais difíceis”, complementou.
Mas para Sarang Shidore, diretor do Programa para o Sul Global do Instituto Quincy, um think tank com sede em Washington DC, há também muitos benefícios em expandir o bloco.
“Os objetivos de curto prazo do bloco podem ganhar um impulso com os novos membros”, diz.
Segundo o analista, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também chamado de banco dos Brics, está se consolidando nos últimos anos e pode se beneficiar de mais investimentos e uma estrutura expandida.
O banco foi criado em 2015, com o propósito de ser uma alternativa às fontes tradicionais de financiamento e apoiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento nos países mais pobres.
Ao mesmo tempo, Shidore acredita que com mais vozes na mesa os Brics podem expandir mais sua influência e poder de barganha.
“O Brics tem como objetivo dar mais força à discussão sobre alternativas à ordem mundial dominada pelos EUA e pela Europa. E mais países assinando declarações que questionam esse sistema acrescenta peso normativo a esses argumentos”, diz o especialista em relações internacionais.
Qual o impacto para o Brasil?
Para Paulo Velasco, professor da Uerj, o Brasil e os demais membros do Brics que desejam manter o diálogo aberto com o Ocidente podem encontrar cada vez mais dores de cabeça e ver sua influência interna diminuir.
Segundo o especialista, diplomatas brasileiros já têm relatado preocupações com o caminho seguido pelo grupo, com temores de que a posição mais anti-Ocidente do grupo e a dominância da China e da Rússia no bloco afastem outros aliados.
“O Brasil preza por uma cartilha plural universalista, dialogando muito bem com os dois lados”, diz. “Não interessa para o Brasil mergulhar de maneira definitiva em uma cruzada antiocidental.”
“Esse jogo não é nosso”, completa o professor da Uerj.
O ex-embaixador Rubens Barbosa, porém, acredita que o governo brasileiro tem capacidade de desviar das controvérsias que podem surgir usando sua tradição diplomática conciliatória.
“O Brasil não vai se juntar a esse movimento e vai conseguir manter uma posição de equidistância”, avalia.
Quando o tema é o ingresso de novos membros, porém, os especialistas preveem alguns desentendimentos.
O Brasil era historicamente contrário à ampliação do Brics. E divergências já haviam surgido durante a cúpula de 2023, realizada na África do Sul, quando China e Rússia pressionaram pela entrada dos cinco novos integrantes.
A urgência para anunciar os novos filiados causou incômodo entre a delegação brasileira, que demandava o estabelecimento de critérios mais claros para a aceitação dos membros.
Segundo Marta Fernández, do BRICS Policy Center, esse debate deve retornar nos próximos dias, com a diplomacia brasileira pressionando por uma discussão formal sobre os parâmetros mínimos exigidos dos novos integrantes.
“Um dos critérios que devem ser discutidos é a exigência de que os novos integrantes tenham relações diplomáticas e amigáveis com os países membros do Brics”, diz. “Ou ter um desejo comum pela reforma da arquitetura financeira mundial e reforma das Nações Unidas.”
Ao mesmo tempo, também há quem preveja disputa sobre a entrada de países específicos no grupo, em especial Venezuela e Nicarágua.
As duas nações estão sendo consideradas para uma possível nova categoria de membros associados, que participariam de praticamente todas as reuniões do bloco, mas não teriam poder de veto.
O governo Lula, porém, já sinalizou que deverá se posicionar contra o ingresso da Venezuela, segundo reportagem do portal G1.
A recusa do Brasil em apoiar a entrada do país vizinho no Brics estaria ligada à situação política venezuelana. Lula tem feito críticas a Nicolás Maduro e à sua recusa em divulgar as atas das eleições de julho, das quais diz ter saído vitorioso.
China, Rússia e Irã, porém, reconheceram a vitória de Maduro e parecem apoiar a entrada da Venezuela no bloco.
No caso da Nicarágua, o desconforto brasileiro é motivado pelo recente congelamento das relações com o país.
Ex-aliado de Lula, o líder nicaraguense Daniel Ortega expulsou o embaixador brasileiro de Manágua em agosto. Em resposta, o Brasil fez o mesmo com a embaixadora do país sul-americano em Brasília.
A expectativa é que o Brasil também vete o ingresso da Nicarágua.
Getty Images via BBC
Criado em 2009, o Brics foi fundado sob a premissa de que as instituições internacionais eram excessivamente dominadas por potências ocidentais e haviam deixado de servir aos países em desenvolvimento.
O grupo se juntou com o objetivo de coordenar as políticas econômicas e diplomáticas de seus membros, encontrar novas soluções para as instituições financeiras e reduzir a dependência do dólar americano.
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Ainda assim, seus integrantes sempre recusaram publicamente o título de “bloco anti-Ocidente” atribuído por alguns.
Mas com a emergência de dois grandes conflitos no contexto global e uma dominância cada vez maior da China e da Rússia dentro do grupo, o Brics está cada vez mais sendo enquadrado dessa forma.
A realização da 16ª cúpula dos líderes do grupo em território russo, em Kazan, é apontada por especialistas como a oportunidade perfeita para o governo de Vladimir Putin posar para fotos ao lado de seus contrapartes, impulsionar a ideia de que não está sozinho e, talvez, reforçar ainda mais essa posição.
Ao mesmo tempo, analistas temem que a expansão do bloco, com a entrada de quatro novos membros no início do ano e a possibilidade de novas incorporações, possa reforçar ainda mais a heterogeneidade do grupo e dificultar o consenso para alcançar novos objetivos.
Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos e Etiópia se juntaram à Brasil, Rússia, Índia, China e Rússia no início deste ano.
A Arábia Saudita também foi anunciada como um dos novos membros, mas ainda não concretizou os trâmites para se juntar oficialmente. Ainda assim, o país será representado pelo seu ministro de Relações Exteriores na reunião que começa nesta terça-feira (22/10).
‘Viés antiocidental’
Além dos nove membros oficiais do bloco (10 com a Arábia Saudita), o presidente russo Vladimir Putin convidou mais de 20 outros países interessados em se juntar ao Brics para a reunião de cúpula em Kazan.
Para a ex-diplomata e pesquisadora do instituto britânico Chatham House Natalie Sabanadze, um dos principais objetivos de Moscou com o encontro é enviar uma mensagem de que, apesar dos esforços do Ocidente para isolar o país, a Rússia ainda tem aliados.
“A Rússia vê o encontro como oportunidade de insistir na mensagem de que não só não está isolada, como tem ao seu lado países que representam metade da população mundial, um terço da produção econômica mundial e quase metade das reservas de petróleo bruto no globo”, diz.
Com a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 e o consequente apoio de EUA e Europa ao governo de Volodymyr Zelensky, especialistas veem cada vez mais o conflito se transformando em uma “guerra por procuração” (um confronto em que blocos se utilizam de terceiros para não lutarem diretamente entre si) entre as potências ocidentais e a Rússia.
Por isso mesmo, diz Marta Fernández, professora da PUC-Rio e diretora do BRICS Policy Center, a visão do Brics como um bloco anti-Ocidente tem relação com a própria dinâmica da política internacional atual, que além de extremamente polarizada está marcada por dois grandes conflitos (Ucrânia e Oriente Médio) .
“A política internacional está cada vez mais polarizada e existe uma pressão do sistema para aderir a um lado ou ao outro”, explica. “E nesse sentido qualquer arranjo alternativo ao tradicional é de certa forma alocado nesse espectro antiocidental”.
Ao mesmo tempo, a presença da China e, mais recentemente, do Irã – outro aliado estratégico de Pequim e Moscou -, no Brics abre ainda mais espaço para uma agenda anti-Ocidente, argumenta Stewart Patrick, diretor do programa de Ordem Global e Instituições do think-tank americano Carnegie Endowment for International Peace.
“Não há dúvida de que a entrada do Irã, bem como o fato de que a China e a Rússia já eram membros, significa que há oportunidades para maior colaboração em uma agenda antiocidental comum”, diz.
Para Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), a entrada de novos membros no bloco tem o potencial de reforçar ainda mais essa visão.
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Além dos países incluídos no bloco em 2024, os membros discutem aceitar países associados, que não seriam integrantes plenos, mas gozariam de muitos dos benefícios fornecidos pelo grupo. Segundo o governo brasileiro, mais de 30 nações teriam expressado desejo de ingressar no Brics, entre elas Azerbaijão, Bolívia, Honduras, Venezuela, Cuba e Turquia.
Os parâmetros para inclusão de novos integrantes ainda não estão claros. Em uma declaração recente, o Ministério de Relações Exteriores da Rússia disse que a não adesão às sanções implementadas contra a Rússia por Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido e outros aliados é um critério para a adesão aos Brics.
“Cada vez mais parece que a tendência é que os novos membros confirmem esse viés antiocidental”, afirmou Barbosa à BBC Brasil.
Segundo o diplomata, essa orientação tende a ficar mais visível em pautas como a busca por reforma nos organismos internacionais, a desdolarização da economia e a contestação de sanções unilaterais.
Paulo Velasco, professor de Política Internacional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), vê no Brics uma postura cada vez mais revisionista da ordem vigente.
“O bloco surgiu como um espaço revisionista, mas um revisionismo moderado e brando”, diz. “Mas esse aspecto está ficando cada vez mais latente, especialmente com a entrada do Irã no grupo ou a intenção de incluir países como Venezuela e Nicarágua.”
Mas os especialistas são unânimes ao reconhecer que nem todos os membros dos Brics têm desejo de se alinhar de forma estratégica com a Rússia ou com a China e desejam manter o diálogo com a outra ala da política mundial.
É o caso da Índia, da África do Sul e do Brasil. Segundo Patrick, esses países querem manter sua “flexibilidade diplomática” e fazer parte “da maior parte de clubes diferentes possível”.
Mas o posicionamento antiocidental do Brics parece já ter gerado incômodos, que alguns analistas veem manifestados pela demora na entrada formal da Arábia Saudita no bloco.
Riade e Moscou são parceiros na OPEP+, de países exportadores de petróleo, e Vladimir Putin cultiva um relacionamento pessoal caloroso com o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman. A China também tem se tornado um aliado cada vez mais importante da Arábia Saudita.
Mas ao mesmo tempo, o país tem nos Estados Unidos um de seus sócios mais notáveis, ao mesmo tempo em que cultiva uma rivalidade histórica com o Irã.
Os rumores são de que Washington, preocupado com a entrada da Arábia Saudita (e sua economia de alta renda) no Brics, teria trazido o tema para suas conversas, fazendo com que a nação árabe revisse sua posição.
Quanto mais membros melhor?
Ao mesmo tempo, especialistas afirmam que as divergências e heterogeneidade dos Brics só tendem a aumentar com novos membros.
Para Rubens Barbosa, ao mesmo tempo em que o grupo mostra tendências mais anti-Ocidente, também parece estar cada vez mais difuso.
“O bloco como está agora já está exibindo muitos interesses difusos e se novos países entrarem a tendência é só crescer”, diz. “Vamos ver uma agenda de mais contestação ao Ocidente, mas também podemos esperar que nem todos concordem com essa agenda.”
Stewart Patrick, do think-tank americano Carnegie Endowment for International Peace, afirma que o Brics sempre foi marcado pela heterogeneidade de seus membros – mas argumenta que a expansão do grupo pode tornar a cooperação de forma extensiva e o desenvolvimento de um propósito coerente ainda mais difíceis.
“Esses países têm sistemas políticos muito diferentes, estão em posições econômicas muito distantes em termos de protagonismo e renda per capita, têm diferentes alinhamentos estratégicos e, em alguns casos, são inclusive rivais geopolíticos”, diz.
Além do conflito de interesses latente entre Arábia Saudita e Irã, Patrick cita os conflitos entre China e Índia em suas fronteiras e a competição entre as duas nações por influência no Oceano Índico como exemplo desses desencontros.
Os especialistas também preveem uma certa divergência em torno dos debates sobre transição energética.
Rússia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos são grandes produtores de petróleo e gás. Enquanto isso, a China e a Índia estão no grupo dos maiores importadores mundiais de combustível. Além disso, Egito, Etiópia e Brasil também são importadores de produtos derivados e de petróleo bruto.
“Então podemos esperar que suas atitudes em relação à transição para energia limpa e outras políticas de recursos naturais sejam bem diferentes”, diz Patrick.
Em agosto do ano passado, o criador do termo Bric (ainda sem a África do Sul), o economista britânico Jim O’Neill descreveu o anúncio de expansão do bloco como “sem critério”.
“Continuo sem saber o que os Brics pretendem alcançar, além de um simbolismo poderoso”, disse O’Neill à BBC News Brasil. “Isso fica óbvio com a escolha do Irã, por exemplo. Diria que pode até tornar as coisas mais difíceis”, complementou.
Mas para Sarang Shidore, diretor do Programa para o Sul Global do Instituto Quincy, um think tank com sede em Washington DC, há também muitos benefícios em expandir o bloco.
“Os objetivos de curto prazo do bloco podem ganhar um impulso com os novos membros”, diz.
Segundo o analista, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também chamado de banco dos Brics, está se consolidando nos últimos anos e pode se beneficiar de mais investimentos e uma estrutura expandida.
O banco foi criado em 2015, com o propósito de ser uma alternativa às fontes tradicionais de financiamento e apoiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento nos países mais pobres.
Ao mesmo tempo, Shidore acredita que com mais vozes na mesa os Brics podem expandir mais sua influência e poder de barganha.
“O Brics tem como objetivo dar mais força à discussão sobre alternativas à ordem mundial dominada pelos EUA e pela Europa. E mais países assinando declarações que questionam esse sistema acrescenta peso normativo a esses argumentos”, diz o especialista em relações internacionais.
Qual o impacto para o Brasil?
Para Paulo Velasco, professor da Uerj, o Brasil e os demais membros do Brics que desejam manter o diálogo aberto com o Ocidente podem encontrar cada vez mais dores de cabeça e ver sua influência interna diminuir.
Segundo o especialista, diplomatas brasileiros já têm relatado preocupações com o caminho seguido pelo grupo, com temores de que a posição mais anti-Ocidente do grupo e a dominância da China e da Rússia no bloco afastem outros aliados.
“O Brasil preza por uma cartilha plural universalista, dialogando muito bem com os dois lados”, diz. “Não interessa para o Brasil mergulhar de maneira definitiva em uma cruzada antiocidental.”
“Esse jogo não é nosso”, completa o professor da Uerj.
O ex-embaixador Rubens Barbosa, porém, acredita que o governo brasileiro tem capacidade de desviar das controvérsias que podem surgir usando sua tradição diplomática conciliatória.
“O Brasil não vai se juntar a esse movimento e vai conseguir manter uma posição de equidistância”, avalia.
Quando o tema é o ingresso de novos membros, porém, os especialistas preveem alguns desentendimentos.
O Brasil era historicamente contrário à ampliação do Brics. E divergências já haviam surgido durante a cúpula de 2023, realizada na África do Sul, quando China e Rússia pressionaram pela entrada dos cinco novos integrantes.
A urgência para anunciar os novos filiados causou incômodo entre a delegação brasileira, que demandava o estabelecimento de critérios mais claros para a aceitação dos membros.
Segundo Marta Fernández, do BRICS Policy Center, esse debate deve retornar nos próximos dias, com a diplomacia brasileira pressionando por uma discussão formal sobre os parâmetros mínimos exigidos dos novos integrantes.
“Um dos critérios que devem ser discutidos é a exigência de que os novos integrantes tenham relações diplomáticas e amigáveis com os países membros do Brics”, diz. “Ou ter um desejo comum pela reforma da arquitetura financeira mundial e reforma das Nações Unidas.”
Ao mesmo tempo, também há quem preveja disputa sobre a entrada de países específicos no grupo, em especial Venezuela e Nicarágua.
As duas nações estão sendo consideradas para uma possível nova categoria de membros associados, que participariam de praticamente todas as reuniões do bloco, mas não teriam poder de veto.
O governo Lula, porém, já sinalizou que deverá se posicionar contra o ingresso da Venezuela, segundo reportagem do portal G1.
A recusa do Brasil em apoiar a entrada do país vizinho no Brics estaria ligada à situação política venezuelana. Lula tem feito críticas a Nicolás Maduro e à sua recusa em divulgar as atas das eleições de julho, das quais diz ter saído vitorioso.
China, Rússia e Irã, porém, reconheceram a vitória de Maduro e parecem apoiar a entrada da Venezuela no bloco.
No caso da Nicarágua, o desconforto brasileiro é motivado pelo recente congelamento das relações com o país.
Ex-aliado de Lula, o líder nicaraguense Daniel Ortega expulsou o embaixador brasileiro de Manágua em agosto. Em resposta, o Brasil fez o mesmo com a embaixadora do país sul-americano em Brasília.
A expectativa é que o Brasil também vete o ingresso da Nicarágua.
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Postado em: 08:04