As promessas de Trump em relação ao comércio com a China, assim como com o fim das guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, serão colocadas à prova em breve. Donald Trump em pronunciamento na Casa Branca em 2020
Carlos Barria/Reuters
O retorno de Donald Trump à Casa Branca deve reformular a política externa dos Estados Unidos, prometendo mudanças potencialmente radicais em várias frentes, à medida que a guerra e a incerteza tomam conta de algumas partes do mundo.
Durante a campanha, Trump fez promessas políticas amplas, muitas vezes sem fornecer detalhes específicos, com base em princípios de não intervencionismo e protecionismo comercial — ou, como ele diz, “America First” (“Estados Unidos em primeiro lugar”).
Sua vitória indica uma das mais significativas interrupções em potencial na abordagem de Washington no que se refere às relações exteriores, em meio a crises paralelas, em muitos anos.
A seguir, listamos algumas de suas prováveis condutas em três diferentes áreas, com base em seus comentários na campanha e no seu histórico na presidência de 2017 a 2021.
Rússia, Ucrânia e Otan
Durante a campanha, Trump disse várias vezes que poderia acabar com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia “em um dia”. Quando questionado como, ele sugeriu supervisionar um acordo, mas se recusou a dar detalhes.
Um artigo de pesquisa escrito por dois dos ex-chefes de segurança nacional de Trump, em maio, dizia que os EUA deveriam continuar fornecendo armas à Ucrânia, mas condicionar o apoio à entrada de Kiev em negociações de paz com a Rússia.
Para convencer a Rússia, o Ocidente prometeria adiar a tão desejada adesão da Ucrânia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Os ex-conselheiros disseram que a Ucrânia não deveria perder a esperança de recuperar todo o seu território da ocupação russa, mas que deveria negociar com base nas linhas de frente de combate atuais.
O presidente dos EUA, Joe Biden, e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, realizam coletiva de imprensa conjunta na Sala Leste da Casa Branca
Kevin Lamarque/Reuters
Os opositores democratas de Trump, que o acusam de ser amistoso com o presidente russo, Vladimir Putin, dizem que sua abordagem equivale à rendição da Ucrânia — e vai colocar em risco toda a Europa.
Ele tem afirmado consistentemente que a sua prioridade é acabar com a guerra, e conter o desperdício de recursos dos Estados Unidos.
Não está claro até que ponto o artigo dos ex-conselheiros representa o pensamento do próprio Trump, mas é provável que nos dê uma pista sobre o tipo de conselho que ele vai receber.
Sua abordagem “America First” para acabar com a guerra também se estende à questão estratégica do futuro da Otan, a aliança militar transatlântica “um por todos, e todos por um”, criada após a Segunda Guerra Mundial, originalmente como um bastião contra a União Soviética.
Atualmente, a Otan conta com mais de 30 países, e Trump é há muito tempo um cético em relação à aliança, acusando a Europa de estar se aproveitando da promessa de proteção dos Estados Unidos.
Se ele realmente retiraria o país da Otan, o que sinalizaria a mudança mais significativa nas relações de defesa transatlânticas em quase um século, continua sendo alvo de debate.
Alguns de seus aliados sugerem que sua postura linha dura é apenas uma tática de negociação para fazer com que os membros da aliança cumpram as diretrizes de gastos com defesa.
Mas a realidade é que os líderes da Otan devem estar seriamente preocupados com o que sua vitória significa para o futuro da aliança — e como seu efeito dissuasor é percebido por líderes hostis.
Oriente Médio
Assim como no caso da Ucrânia, Trump prometeu levar a “paz” ao Oriente Médio — dando a entender que acabaria com a guerra entre Israel e o Hamas em Gaza, e entre Israel e o Hezbollah no Líbano, mas não disse como.
Ele tem afirmado repetidamente que, se ele estivesse no poder em vez de Joe Biden, o Hamas não teria atacado Israel devido à sua política de “pressão máxima” sobre o Irã, que financia o grupo.
Em linhas gerais, é provável que Trump tente retomar a política que levou seu governo a retirar os EUA do acordo nuclear com o Irã, aplicar mais sanções contra o país, e matar o general Qasem Soleimani — o comandante militar mais poderoso do Irã.
Na Casa Branca, Trump adotou políticas fortemente pró-Israel, reconhecendo Jerusalém como a capital de Israel, e transferindo a embaixada dos EUA de Tel Aviv para lá — uma medida que revigorou a base cristã evangélica de Trump —, um núcleo central de eleitores republicanos.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, chamou Trump de “o melhor amigo que Israel já teve na Casa Branca”.
Com Trump, Netanyahu tinha um forte aliado na Casa Branca
GETTY IMAGES via BBC
Mas os críticos argumentam que sua política teve um efeito desestabilizador na região.
Os palestinos boicotaram o governo Trump, devido ao abandono de Washington de sua reivindicação de Jerusalém — a cidade que constitui o centro histórico da vida nacional e religiosa dos palestinos.
Eles ficaram ainda mais isolados quando Trump intermediou os chamados “Acordos de Abraão”, que estabeleceram um acordo histórico para normalizar as relações diplomáticas entre Israel e vários países árabes e muçulmanos.
Isso foi feito sem que Israel tivesse que aceitar um futuro Estado Palestino independente ao seu lado — a chamada solução de dois Estados —, que anteriormente era uma condição dos países árabes para esse acordo regional.
Em vez disso, os países envolvidos receberam acesso a armas avançadas dos EUA, em troca do reconhecimento de Israel.
Os palestinos foram deixados em um dos momentos mais isolados de sua história pela única potência que pode realmente exercer influência sobre os dois lados do conflito, o que reduziu ainda mais sua capacidade de se proteger na região.
Trump fez várias declarações durante a campanha dizendo que quer que a guerra de Gaza termine.
Ele tem um relacionamento complexo e, às vezes, disfuncional com Netanyahu, mas certamente tem a capacidade de exercer pressão sobre ele.
Também tem um histórico de relações fortes com líderes dos principais países árabes que têm contato com o Hamas.
Não está claro como ele lidaria com seu desejo de demonstrar um forte apoio à liderança israelense e, ao mesmo tempo, tentar encerrar a guerra.
Os aliados de Trump muitas vezes retrataram sua imprevisibilidade como um trunfo diplomático, mas no Oriente Médio, altamente disputado e volátil, em meio a uma crise já de proporções históricas, está longe de ser claro como isso aconteceria.
Trump vai ter que decidir como — ou se vai — levar adiante o processo diplomático estagnado lançado pelo governo Biden para obter um cessar-fogo em Gaza em troca da libertação dos reféns mantidos pelo Hamas.
Comércio com a China
A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, com o presidente da China, Xi Jinping
Casa Branca/via Reuters
A abordagem dos Estados Unidos em relação à China é a área mais importante do ponto de vista estratégico da política externa — e a que tem as maiores implicações para a segurança e o comércio globais.
Quando estava no cargo, Trump rotulou a China como “concorrente estratégico”, e impôs tarifas sobre algumas importações chinesas para os EUA. Isso levou à imposição de tarifas por parte de Pequim, em retaliação, sobre importações americanas.
Houve tentativas de apaziguar a disputa comercial, mas a pandemia de covid-19 acabou com essa possibilidade, e as relações entre os dois países pioraram quando o ex-presidente rotulou o coronavírus como um “vírus chinês”.
Embora o governo Biden tenha afirmado adotar uma abordagem mais responsável em relação à política da China, ele, na verdade, manteve em vigor muitas das tarifas de importação da era Trump.
A política comercial se tornou intimamente ligada à percepção do eleitorado nos EUA em relação à proteção dos empregos no setor de manufatura americano — embora grande parte do declínio de longo prazo nos empregos em setores tradicionais dos EUA, como a siderurgia, tenha sido causado tanto pela automação e mudanças na produção nas fábricas quanto pela concorrência global e pelo chamado offshoring (levar fábricas para outros países para reduzir custos).
Trump elogiou o presidente chinês, Xi Jinping, classificando-o como “brilhante” e “perigoso”, e como um líder altamente eficaz que controla 1,4 bilhão de pessoas com um “punho de ferro” — parte do que a oposição caracteriza como a admiração de Trump por “ditadores”.
Parece provável que o ex-presidente se afaste da abordagem do governo Biden de criar parcerias de segurança mais fortes dos EUA com outros países regionais em uma tentativa de conter a China.
Os EUA mantiveram a assistência militar para Taiwan, que a China vê como uma província separatista que, um dia, vai acabar ficando sob o controle de Pequim.
Trump disse em outubro que, se voltasse à Casa Branca, não precisaria usar força militar para impedir um eventual bloqueio chinês a Taiwan porque o presidente Xi sabia que ele era “louco”, e que imporia tarifas paralisantes sobre as importações chinesas se isso acontecesse.
Carlos Barria/Reuters
O retorno de Donald Trump à Casa Branca deve reformular a política externa dos Estados Unidos, prometendo mudanças potencialmente radicais em várias frentes, à medida que a guerra e a incerteza tomam conta de algumas partes do mundo.
Durante a campanha, Trump fez promessas políticas amplas, muitas vezes sem fornecer detalhes específicos, com base em princípios de não intervencionismo e protecionismo comercial — ou, como ele diz, “America First” (“Estados Unidos em primeiro lugar”).
Sua vitória indica uma das mais significativas interrupções em potencial na abordagem de Washington no que se refere às relações exteriores, em meio a crises paralelas, em muitos anos.
A seguir, listamos algumas de suas prováveis condutas em três diferentes áreas, com base em seus comentários na campanha e no seu histórico na presidência de 2017 a 2021.
Rússia, Ucrânia e Otan
Durante a campanha, Trump disse várias vezes que poderia acabar com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia “em um dia”. Quando questionado como, ele sugeriu supervisionar um acordo, mas se recusou a dar detalhes.
Um artigo de pesquisa escrito por dois dos ex-chefes de segurança nacional de Trump, em maio, dizia que os EUA deveriam continuar fornecendo armas à Ucrânia, mas condicionar o apoio à entrada de Kiev em negociações de paz com a Rússia.
Para convencer a Rússia, o Ocidente prometeria adiar a tão desejada adesão da Ucrânia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Os ex-conselheiros disseram que a Ucrânia não deveria perder a esperança de recuperar todo o seu território da ocupação russa, mas que deveria negociar com base nas linhas de frente de combate atuais.
O presidente dos EUA, Joe Biden, e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, realizam coletiva de imprensa conjunta na Sala Leste da Casa Branca
Kevin Lamarque/Reuters
Os opositores democratas de Trump, que o acusam de ser amistoso com o presidente russo, Vladimir Putin, dizem que sua abordagem equivale à rendição da Ucrânia — e vai colocar em risco toda a Europa.
Ele tem afirmado consistentemente que a sua prioridade é acabar com a guerra, e conter o desperdício de recursos dos Estados Unidos.
Não está claro até que ponto o artigo dos ex-conselheiros representa o pensamento do próprio Trump, mas é provável que nos dê uma pista sobre o tipo de conselho que ele vai receber.
Sua abordagem “America First” para acabar com a guerra também se estende à questão estratégica do futuro da Otan, a aliança militar transatlântica “um por todos, e todos por um”, criada após a Segunda Guerra Mundial, originalmente como um bastião contra a União Soviética.
Atualmente, a Otan conta com mais de 30 países, e Trump é há muito tempo um cético em relação à aliança, acusando a Europa de estar se aproveitando da promessa de proteção dos Estados Unidos.
Se ele realmente retiraria o país da Otan, o que sinalizaria a mudança mais significativa nas relações de defesa transatlânticas em quase um século, continua sendo alvo de debate.
Alguns de seus aliados sugerem que sua postura linha dura é apenas uma tática de negociação para fazer com que os membros da aliança cumpram as diretrizes de gastos com defesa.
Mas a realidade é que os líderes da Otan devem estar seriamente preocupados com o que sua vitória significa para o futuro da aliança — e como seu efeito dissuasor é percebido por líderes hostis.
Oriente Médio
Assim como no caso da Ucrânia, Trump prometeu levar a “paz” ao Oriente Médio — dando a entender que acabaria com a guerra entre Israel e o Hamas em Gaza, e entre Israel e o Hezbollah no Líbano, mas não disse como.
Ele tem afirmado repetidamente que, se ele estivesse no poder em vez de Joe Biden, o Hamas não teria atacado Israel devido à sua política de “pressão máxima” sobre o Irã, que financia o grupo.
Em linhas gerais, é provável que Trump tente retomar a política que levou seu governo a retirar os EUA do acordo nuclear com o Irã, aplicar mais sanções contra o país, e matar o general Qasem Soleimani — o comandante militar mais poderoso do Irã.
Na Casa Branca, Trump adotou políticas fortemente pró-Israel, reconhecendo Jerusalém como a capital de Israel, e transferindo a embaixada dos EUA de Tel Aviv para lá — uma medida que revigorou a base cristã evangélica de Trump —, um núcleo central de eleitores republicanos.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, chamou Trump de “o melhor amigo que Israel já teve na Casa Branca”.
Com Trump, Netanyahu tinha um forte aliado na Casa Branca
GETTY IMAGES via BBC
Mas os críticos argumentam que sua política teve um efeito desestabilizador na região.
Os palestinos boicotaram o governo Trump, devido ao abandono de Washington de sua reivindicação de Jerusalém — a cidade que constitui o centro histórico da vida nacional e religiosa dos palestinos.
Eles ficaram ainda mais isolados quando Trump intermediou os chamados “Acordos de Abraão”, que estabeleceram um acordo histórico para normalizar as relações diplomáticas entre Israel e vários países árabes e muçulmanos.
Isso foi feito sem que Israel tivesse que aceitar um futuro Estado Palestino independente ao seu lado — a chamada solução de dois Estados —, que anteriormente era uma condição dos países árabes para esse acordo regional.
Em vez disso, os países envolvidos receberam acesso a armas avançadas dos EUA, em troca do reconhecimento de Israel.
Os palestinos foram deixados em um dos momentos mais isolados de sua história pela única potência que pode realmente exercer influência sobre os dois lados do conflito, o que reduziu ainda mais sua capacidade de se proteger na região.
Trump fez várias declarações durante a campanha dizendo que quer que a guerra de Gaza termine.
Ele tem um relacionamento complexo e, às vezes, disfuncional com Netanyahu, mas certamente tem a capacidade de exercer pressão sobre ele.
Também tem um histórico de relações fortes com líderes dos principais países árabes que têm contato com o Hamas.
Não está claro como ele lidaria com seu desejo de demonstrar um forte apoio à liderança israelense e, ao mesmo tempo, tentar encerrar a guerra.
Os aliados de Trump muitas vezes retrataram sua imprevisibilidade como um trunfo diplomático, mas no Oriente Médio, altamente disputado e volátil, em meio a uma crise já de proporções históricas, está longe de ser claro como isso aconteceria.
Trump vai ter que decidir como — ou se vai — levar adiante o processo diplomático estagnado lançado pelo governo Biden para obter um cessar-fogo em Gaza em troca da libertação dos reféns mantidos pelo Hamas.
Comércio com a China
A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, com o presidente da China, Xi Jinping
Casa Branca/via Reuters
A abordagem dos Estados Unidos em relação à China é a área mais importante do ponto de vista estratégico da política externa — e a que tem as maiores implicações para a segurança e o comércio globais.
Quando estava no cargo, Trump rotulou a China como “concorrente estratégico”, e impôs tarifas sobre algumas importações chinesas para os EUA. Isso levou à imposição de tarifas por parte de Pequim, em retaliação, sobre importações americanas.
Houve tentativas de apaziguar a disputa comercial, mas a pandemia de covid-19 acabou com essa possibilidade, e as relações entre os dois países pioraram quando o ex-presidente rotulou o coronavírus como um “vírus chinês”.
Embora o governo Biden tenha afirmado adotar uma abordagem mais responsável em relação à política da China, ele, na verdade, manteve em vigor muitas das tarifas de importação da era Trump.
A política comercial se tornou intimamente ligada à percepção do eleitorado nos EUA em relação à proteção dos empregos no setor de manufatura americano — embora grande parte do declínio de longo prazo nos empregos em setores tradicionais dos EUA, como a siderurgia, tenha sido causado tanto pela automação e mudanças na produção nas fábricas quanto pela concorrência global e pelo chamado offshoring (levar fábricas para outros países para reduzir custos).
Trump elogiou o presidente chinês, Xi Jinping, classificando-o como “brilhante” e “perigoso”, e como um líder altamente eficaz que controla 1,4 bilhão de pessoas com um “punho de ferro” — parte do que a oposição caracteriza como a admiração de Trump por “ditadores”.
Parece provável que o ex-presidente se afaste da abordagem do governo Biden de criar parcerias de segurança mais fortes dos EUA com outros países regionais em uma tentativa de conter a China.
Os EUA mantiveram a assistência militar para Taiwan, que a China vê como uma província separatista que, um dia, vai acabar ficando sob o controle de Pequim.
Trump disse em outubro que, se voltasse à Casa Branca, não precisaria usar força militar para impedir um eventual bloqueio chinês a Taiwan porque o presidente Xi sabia que ele era “louco”, e que imporia tarifas paralisantes sobre as importações chinesas se isso acontecesse.
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Postado em: 16:00